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Para apreciar num domingão # 4: Glauber Rocha x Di Cavalcanti x Jorge Ben Jor x Vinícius de Morais x Lamartine Babo x Augusto dos Anjos x Paulinho da Viola x Pixinguinha

Vencedor de prêmio especial do júri no Festival de Cannes, o inovador curta-metragem realizado em 1977 por Glauber Rocha Di foi feito improvisadamente quando da morte de Di Cavalcanti – e posteriormente interditado judicialmente a pedido da família do pintor.  
O filme explode as estruturas do gênero documentário em um turbilhão de colagens, que incluem músicas, notícias de jornal, obras de arte, intervenções, performances e a onipresença genial de seu realizador.  
Seu título original é “Ninguém Assistiu ao Formidável Enterro de Sua Última Quimera; Somente a Ingratidão, Essa Pantera, Foi Sua Companheira Inseparável”, tirado de versos de Augusto dos Anjos.
Quando de sua primeira exibição, em 11 de março de 1977 na Cinemateca do MAM (RJ), foi distribuído um texto de Glauber Rocha mimeografado intitulado Di (Das) Mortes:
“A morte é um tema festivo pros mexicanos, e qualquer protestante essencialista como eu não a considera tragedya . . Em Terra em Transe o poeta Paulo Martins recitava que convivemos com a morte…etc… dentro dela a carne se devora – e o cangaceiro Corisco, em Deus e o Diabo na Terra do Sol, morre profetizando a ressurreição do sertão no mar que vira sertão que vira mar…
Matei muitos personagens? Eles morreram por conta própria, engendrados e sacrificados por suas próprias contradições: cada massacre dialético que enceno e monto se autodefine na síntese fílmica, e do expurgo sobram as metáforas vitais.
As armas de fogo, facas e lanças são os objetos mortais usados por meus personagens, mas a rainha Soledad bebe simbolicamente veneno no final de
Cabeças Cortadas e os mercenários de O Leão de Sete Cabeças são enforcados. Em Câncer, Antônio Pitanga estrangula Hugo Carvana, assim como Carvana se suicida em Terra em Transe. Em Claro foi usado um canhão para matar um mercenário no Vietnam e dois personagens morrem afogados em Barravento, além das multidões incalculáveis massacradas por Sebastião, Corisco, Diaz, etc.
Filmar meu amigo Di morto é um ato de humor modernista-surrealista que se permite entre artistas renascentes: Fênix/Di nunca morreu. No caso o filme é uma celebração que liberta o morto de sua hipócrita-trágica condição. A Festa, o Quarup – a ressurreição que transcende a burocracia do cemitério. Por que enterrar as pessoas com lágrimas e flores comerciais? Meu filme, cujo título, dado por Alex Viany, é Di-Glauber, expõe duas fases do ritual: o velório no Museu de Arte Moderna e o sepultamento no Cemitério São João Batista. É assim que sepultamos nossos mortos.
Chocado pela tristeza de um ato que deveria ser festivo em todos os casos (e sobretudo no caso de um gênio popular como Emiliano di Cavalcanti) projetei o Ritual Alternativo; Meu Funeral Poético, como Di gostaria que fosse, lui. . . o símbolo da Vida…
No campo metafórico transpsicanalítico materializo a vitória de São Jorge sobre o Dragão. E, no caso de uma produção independente, por falta de tempo e dinheiro, e dada a urgência do trabalho, eu interpreto São Jorge (desdobrado em Joel Barcelos e Antônio Pitanga) e Di-O Dragão. Mas curiosamente Eu Sou Orfeu Negro (Pitanga) e Marina Montini, dublemente Eurídice (musa de Di), é a Morte. Meus flash-backs são meu espelho e o espelho ocupa a segunda parte do filme, inspirado pelo Reflexos do Baile, de Antônio Callado, e Mayra, de Darcy Ribeiro. Celebrando Di recupero o seu cadáver, e o filme, que não é didático, contribui para perpetuar a mensagem do Grande Pintor e do Grande Pajé Tupan Ará, Babaraúna Ponta-de-Lança Africano, Glória da Raça Brazyleira!
A descoberta poética do final do século será a materialização da Eternidade.”
Quando o blog Ilustrada no Cinema pediu-me uma listinha dos filmes que mais me marcaram para a seção Filmoteca, não tive dúvida em colocar Di ao lado de Cidadão Kane (Citizen Kane, Orson Welles, 1941), Gritos e Sussurros (Viskningar och Rop, Ingmar Bergman, 1972), O Estado das Coisas (Der Stand der Dinge, Wim Wenders, 1982) e Limite (Mário Peixoto, 1930).
Di continua vibrante, comprove (está em duas partes):

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